MEMÓRIAS DE UMA MULHER - DORA DIMOLITSAS -
Luluz era uma garotinha
cheia de vida, alegre, vibrante como toda criança feliz. Morava numa cidade
chamada Olinda, em uma casa de madeira, humilde, mas bem construída, feita com
muito carinho pelo seu Freitas, o pai. Dona Maria José, a mãe e as irmãs Marí e
Luidé completavam a família.
A casa ficava perto de um
seringal, na beira de um rio, é verdade sim que isso nunca foi motivo de
tristeza para Luluz, ela adorava a vida que tinha ali. Sua alegria era brincar
com as galinhas, ficava horas olhando elas ciscarem no terreiro. Corria atrás
delas e alimentava os pintinhos com milho. Achava bonitos de se ver, com aquelas
penugens de cores variadas.
A vida ali era simples,
mas feliz.
Certa vez receberam
visitas, pessoas com modos e roupas muito finas, pareciam ricas. Disseram ser pesquisadores
de petróleo e queriam conhecer as redondezas. Luluz ficou feliz da vida e convidou
para passear uma moça muito bonita do grupo, que lhe despertou a atenção. De
mãos dadas com ela, a levou para a mata próxima de casa, onde tinham vários pés
de jatobá. Elas pulavam prá lá e prá cá, muito alegres pela mata. Sentaram-se
em alguns troncos, brincaram com as folhas e com alguns jatobás caídos. Encantaram-se
com o tamanho da árvore, muito alta e com os frutos que despencavam no chão.
Foi um dia maravilhoso,
beberam água na cacimba, lá no paiol colheram espigas de milho, pularam várias
filas de borracha, feitas da seringueira e retornaram para casa, sorrindo
felizes. A moça bonita estava radiante com tantas descobertas e deu de presente
para Luluz, um perfume, ela pulou de alegria.
No dia seguinte as
visitas foram embora e deixaram sapatos, roupas, e muito alimento, em
agradecimento pela hospitalidade.
Tudo transcorria normal
naquele pequeno pedaço de chão, onde Luluz era feliz como ninguém, junto a sua
família.
Dois anos se passaram.
Um dia Luluz se viu junto
com sua mãe e as irmãs em uma frágil canoa, num rio enorme, e por ser pequena
demais, sentiu-se desprotegida. A mãe remava e chorava, sem dizer nada. Após
quase um dia e meio viajando naquela canoa, sozinhas, finalmente, chegaram a
outro seringal. Algumas pessoas vieram recebê-las e as instalaram em um enorme
casarão. Passaram-se alguns dias e o pai, seu Freitas, apareceu. Ele veio em um
grande barco chamado de batelão. Levou-as para a cidade, onde comprou roupas
novas, sapatos e material de uso pessoal. E depois, mais viagem...
Não sabiam as meninas
para onde estavam indo. Chegaram num a cidade chamada Manaus e Luluz e suas
irmãs foram entregues pelos pais, a umas senhoras vestidas de preto, com um
chapéu branco e preto cobrindo-lhes a cabeça. Ela ouviu o Pai chamá-las de
irmãs. Eram as freiras do Colégio Sagrado Coração de Jesus. E aquela garotinha
feliz, sem preocupações, em tão pouco tempo se viu sozinha, com suas irmãs, em
meio a meninas iguais a elas, com problemas semelhantes, mas a quem nunca tinham
visto na vida. Luluz ficava espantada com algumas meninas, que eram irritadas,
cheias de vontade e caprichos, elas nada tinham a ver com o temperamento dela,
acostumada a um modo de vida tranquilo. Dali em diante, se viu frente a frente
com uma realidade diferente. Teve que defender-se e também suas irmãs. E para
proteção delas Luluz juntou-se a um grupo, e o liderava, como forma de defesa,
contra as possíveis agressões. Certo dia Luluz viu uma funcionária do colégio
dar uma cotovelada no estômago de uma de suas irmãs, ela não teve dúvidas,
passou a mão nas bonecas e em seus brinquedos, chamou Marí e Luidé e foram se
esconder atrás da enfermaria do colégio. Elas tinham seis, cinco e quatro anos
de idade.
Resolveram fugir dali.
Saíram pelas ruas da
cidade sem noção pra onde ir. Graças à memória apurada das crianças, Luluz
lembrou que, ao chegar à cidade, o pai as levou, por alguns dias, na casa da
tia Georgina, num lugar chamado Bosque. E logo atinou:
- é para lá que vamos!
Com as caixas de
brinquedos nas mãos, descalças, lá se foram as crianças ao encontro da tia.
No caminho Luluz pensava:
- em minha irmãzinha
ninguém vai bater, não na minha frente! Foram perguntando onde era o local, andaram
muito, até que à noite chegaram à casa da Tia Georgina, no tal Bosque.
Para tristeza das
crianças a tia não estava em casa, e foram recebidas pelo primo Otávio, que era
um homem muito bravo. Ele as colocou de joelhos e deu várias cintadas,
dizendo-lhes que erraram ao fugir do colégio. As meninas choraram muito, mesmo
assim, pra sorte delas, depois deste dia cansativo, o primo malvado deixou-as
dormir ali naquela noite.
Mas, no dia seguinte... lá
estavam as freiras para buscá-las. Elas ficaram tristes, mas voltaram para o
colégio. Não entendiam porque tinham que ficar ali, longe dos pais e nem o que
tinha acontecido, pois eles tinham se separado.
A vida seguia seu curso.
As meninas cresceram e
tornaram-se lindas moças, com uma educação primorosa, graças ao colégio das
freiras, que era de uma ordem italiana.
Certo dia a Madre
Superiora veio até Luluz e disse-lhe:
- Filha, você já
completou 15 anos, é hora de sair do colégio. As suas irmãs devem ficar ainda, até
completar a sua idade.
Era estrada de novo para Luluz...
lá se foi ela novamente, para a casa de amigos do pai.
A Jovem nada sabia do
mundo, era alegre, inocente, e cheia da vida. Atraiu logo o interesse do irmão
do dono da casa, que a seduziu. Passado o tempo da conquista, ele a abandonou,
indo embora, para ele uma garota, ainda menor de idade, poderia representar
grandes problemas. Por falta de orientação, Luluz não soube o que fazer, além
disso, o homem a proibiu de contar a alguém o que ele tinha feito a ela.
Um dia voltou para casa
de seu pai, que morava em Manaus. Pensou estar salva, mas foi que aí coisas se
complicaram mais... Seu Freitas tinha mudado de vida e havia se casado com
outra mulher e de sua mãe, Maria José, ninguém mais soube nada.
A nova esposa não aceitava
Luluz e para confirmar isto, fazia provocações ao marido até que ele tirasse a
cinta e surrasse sua filha, até sangrar. Foram três anos de surras diárias,
daquelas de tirar a pele.
Ao completar 18 anos
Luluz decidiu que era chegada a hora de cuidar de si mesmo. Pegou um avião
escondido da família, e fugiu para uma cidadezinha perto de Manaus. Assim
iniciou sua verdadeira vida, inscreveu-se em um curso de saúde, fez um acordo
com um familiar da cidade, e ficou hospedada na casa dele, pagando-lhe a estadia,
conforme o salário que recebia.
Deste familiar Luluz,
ainda hoje, lembra com muito carinho e dedica-lhe o maior respeito e
consideração. Graças ao seu carinho e amparo, que recebeu em sua casa,
conseguiu concluir o seu curso de enfermagem, o que mudou toda a sua vida.
Já formada foi convidada
a trabalhar numa cidade perto e ganhando um bom salário. Não lhe faltaram
pretendentes para casar, mas ainda não tinha encontrado a pessoa certa.
Após um tempo
trabalhando, teve um sonho que lhe mostrou todo o seu futuro. Determinada como
sempre, mudou pro Rio de Janeiro, em busca de realizar este sonho. E não é que
tudo aconteceu igual no sonho? Hoje tem um esposo amoroso, uma família linda,
uma vida mais que tranquila, alcançou muito sucesso em tudo o que faz!
Claro que nunca esqueceu
suas irmãs, elas vivem bem perto dela no Rio. Também se casaram, tem família e
são muito felizes.
Luluz, hoje, já bem
velhinha, guarda suas lembranças tristes e felizes e agradece sempre a Deus por
ter conseguido vencer as dificuldades.
Sua vida virou história
para seus netos, que a escutam com os olhinhos arregalados até dormir.
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