sábado, 15 de junho de 2013

 

 Nunca vi tanta violencia nas lutas populares,

 

“Acho que o que aconteceu comigo, outros jornalistas e manifestantes, mostra que existem, sim, um lado certo e um errado nessa história. De que lado você samba?”

Por Giuliana Vallone, no Facebook
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Jornalista Giuliana Vallone, mais uma vítima do excesso da PM Paulista (Foto: Arquivo Pessoal)
Queridos,
Em primeiro lugar, gostaria de agradecer a todas as manifestações de carinho e preocupação recebidas dos amigos e também de pessoas que não tive a oportunidade de conhecer. Vocês são incríveis.
Agora, o boletim médico: passei a noite no hospital em observação. A tomografia mostrou que não há fraturas nem danos neurológicos. A maior preocupação era o comprometimento do meu olho, que sofreu uma hemorragia por causa da pancada.
Felizmente, meu globo ocular não aparenta nenhum dano. E agora, ao acordar, percebi a coisa mais incrível: já consigo enxergar com o olho afetado, o que não acontecia quando cheguei aqui. Fora isso, estou muito inchada e tomei alguns pontos na pálpebra.
Sobre o aconteceu: já tinha saído da zona de conflito principal –na Consolação, em que já havia sido ameaçada por um policial por estar filmando a violência– quando fui atingida. Estava na Augusta com pouquíssimos manifestantes na rua. Tentei ajudar uma mulher perdida no meio do caos e coloquei ela dentro de um estacionamento. O Choque havia voltado ao caminhão que os transportava.



Postado em: 14 jun 2013 às 14:29

Os protestos que se sucedem em grandes capitais brasileiras foram motivados pelo repúdio ao aumento dos preços das tarifas no transporte público. Mas erra quem pensa que a revolta é apenas por R$ 0,20

No Brasil, ninguém vai às ruas para protestar contra R$ 0,20 no aumento dos preços nas passagens de ônibus.
Na Turquia, pensam que uma multidão de milhares de pessoas protesta contra o corte de algumas árvores.
Na Grécia, imaginam que há uma greve geral devido à demissão de uns funcionários da rede estatal de TV.
Em Portugal, na Espanha, na Irlanda, ou em quantos outros países forem, os motivos evidentes de tanta revolta, como no Egito, na Tunísia ou nas guerras palestinas, são apenas os sinais aparentes de que há uma revolução mundial em curso. Há um rio caudaloso e surdo de insatisfação, de injustiça, de rejeição ao domínio do dinheiro sobre a razão humana de existir, que desaguou na crise mundial deflagrada em Wall Street, há cinco anos.
20 centavos direitos trabalhador
Não é por 20 centavos, é por direitos. (Imagem: Mães de Maio / Facebook)
Percebe-se o esgarçamento do capitalismo e fica evidente o jogo de força dos países que defendem este sistema em declínio, na contramão de um esforço mundial pela derrocada do egoísmo, da ditadura do capital.

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O problema nunca foi o aumento de R$ 0,20 na roleta. A questão é mais grave. É a empáfia dos governantes de acreditar que milhões de pessoas, de brasileiros, de trabalhadores, irão aceitar que lhes sejam cobrados R$ 0,20 a mais por um serviço ineficiente, indigno, planejado apenas para aumentar a taxa de lucro das empresas concessionárias e de seus acionistas, contra os interesses de milhões de cidadãos que precisam ir e vir. A ótica é míope. E, o pior, acreditam – governo e ‘iniciativa privada’ – que a nação é formada por imbecis, incapazes de perceber a realidade dos fatos, a de que pretendem usurpar dos cidadãos o direito ao discernimento.
Os R$ 3,00 ou o que seja, pagos hoje em dia, já representam a última fronteira da paciência urbana. Ninguém mais aguenta dispensar não os poucos centavos cobrados a mais na passagem. Mas a passagem em si. O sistema está falido. A forma de pensar a sociedade, segundo a ótica de quem não se importa com os R$ 0,20 a menos no bolso, está em seus estertores.
O salário mínimo é mínimo demais para tanta riqueza que circula nas bolsas de valores. Os valores que defendem os meios conservadores de comunicação, as igrejas, os parlamentares alimentados com o soldo do conservadorismo estão reduzidos à preservação das fortunas daqueles que amealharam, quais piratas, as riquezas que pertencem a todos os seres humanos. Apenas por serem humanos.
Agora, diante do tribunal das ruas, no calor das manifestações, da revolta que arde desde Istambul à Avenida Paulista, os governantes colocados no poder sob a contemplação do sistema ora em colapso aciona seu braço de ferro. Balas de borracha e cacetetes, imaginam, serão os antídotos à História. Pensam que têm o poder de parar a revolução mundial com o sangue de heróis. Jovens heróis. Equivocam-se ao imaginar que jatos d’água e gases lacrimejantes serão suficientes para deter a determinação dos povos contra a justiça social ou por uma sociedade mais fraterna.
Não perceberam que a Humanidade segue o seu curso. E ninguém é idiota.

Postado em: 10 jun 2013 às 19:11

Esses moleques que tomam as ruas e dão a cara para bater incomodam muito mais porque nos obrigam a olhar para dentro das nossas próprias vidas e, nessa hora, descobrimos que desaprendemos a sonhar

Por Andre Borges Lopes
O fundamental não é lutar pelo direito de fumar maconha em paz na sala da sua casa. O fundamental não é o direito de andar vestida como uma vadia sem ser agredida por machos boçais que acham que têm esse direito porque você está “disponível”. O fundamental não é garantir a opção de um aborto assistido para as mulheres que foram vítimas de estupro ou que correm risco de vida. O fundamental não é impedir que a internação compulsória de usuários de drogas se transforme em ferramenta de uma política de higienismo social e eliminação estética do que enfeia a cidade. O fundamental não é lutar contra a venda da pena de morte e da redução da maioridade penal como soluções finais para a violência. O fundamental não é esculachar os torturadores impunes da ditadura. O fundamental não é garantir aos indígenas remanescentes o direito à demarcação das suas reservas de terras. O fundamental não é o aumento de 20 centavos num transporte público que fica a cada dia mais lotado e precário.
O fundamental é que estamos vivendo uma brutal ofensiva do pensamento conservador, que coloca em risco muitas décadas de conquistas civilizatórias da sociedade brasileira.
O fundamental é que sob o manto protetor do “crescimento com redução das desigualdades” fermenta um modelo social que reproduz – agora em escala socialmente ampliada – o que há de pior na sociedade de consumo, individualista ao extremo, competitiva, ostentatória e sem nenhum espaço para a solidariedade.
O fundamental é que a modesta redução da nossa brutal desigualdade social ainda não veio acompanhada por uma esperada redução da violência e da criminalidade, muito pelo contrário. E não há projeto nacional de combate à violência que fuja do discurso meramente repressivo ou da elegia à truculência policial.
O fundamental é que a democratização do acesso ao ensino básico e à universidade por vezes deixam de ser um instrumento de iluminação e arejamento dos indivíduos e da própria sociedade, e são reduzidos a uma promessa de escada para a ascensão social via títulos e diplomas, ao som de sertanejo universitário.
O fundamental é que os políticos e grandes partidos antigamente ditos “libertários” e “de esquerda” hoje abriram mão de disputar ideologicamente os corações e mentes dos jovens e dos novos “incluídos sociais” e se contentam em garantir a fidelidade dos seus votos nas urnas, a cada dois anos.
O fundamental é que os políticos e grandes partidos antigamente ditos “sociais-democratas” já não tem nada a oferecer à juventude além de um neo-udenismo moralista que flerta desavergonhadamente com o autoritarismo e o fascismo mais desbragados.
O fundamental é que a promessa da militância verde e ecológica vai aos poucos rendendo-se aos balcões de negócio da velha política partidária ou ao marketing politicamente correto das grandes corporações.

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O fundamental é que os sindicatos, movimentos populares e organizações estudantis estão entregues a um processo de burocratização, aparelhamento e defesa de interesses paroquiais que os torna refratários a uma participação dinâmica, entusiasmada e libertária.
O fundamental é que temos em São Paulo um governo estadual que é francamente conservador e repressivo, ao lado de um governo federal que é supostamente “progressista de coalizão”. Mas entre a causa da liberação da maconha e defesa da internação compulsória, ambos escolhem a internação. Entre as prostitutas e a hipocrisia, ambos ficam com a hipocrisia. Entre os índios e os agronegócio, ambos aliam-se aos ruralistas. Entre a velha imprensa embolorada e a efervescência libertária da Internet, ambos namoram com a velha mídia. Entre o estado laico e os votos da bancada evangélica, ambos contemporizam com o Malafaia. Entre Jean Willys e Feliciano, ambos ficam em cima do muro, calculando quem pode lhes render mais votos.
O fundamental é que o temor covarde em expor à luz os crimes e julgar os aqueles agentes de estado que torturaram e mataram durante da ditadura acabou conferindo legitimidade a auto-anistia imposta pelos militares, muitos dos quais hoje se orgulham publicamente dos seus crimes bárbaros – o que nos leva a crer que voltarão a cometê-los se lhes for dada nova oportunidade.
O fundamental é que vivemos numa sociedade que (para usar dois termos anacrônicos) vai ficando cada vez mais bunda-mole e careta. Assustadoramente careta na política, nos costumes e nas liberdades individuais se comparada com os sonhos libertários dos anos 1960, ou mesmo com as esperanças democráticas dos anos 1980. Vivemos uma grande ofensiva do coxismo: conservador nas ideias, conformado no dia-a-dia, revoltadinho no trânsito engarrafado e no teclado do Facebook.
O fundamental é que nenhum grupo político no poder ou fora dele tem hoje qualquer nível mínimo de interlocução com uma parte enorme da molecada – seja nas universidades ou nas periferias – que não se conforma com a falta de perspectivas minimamente interessantes dentro dessa sociedade cada vez mais bundona, careta e medíocre.
Os mesmos indignados que se esgoelam no mundo virtual clamando que a juventude e os estudantes “se levantem” contra o governo e a inação da sociedade, são os primeiros a pedir que a tropa de choque baixe a borracha nos “vagabundos” quando eles fecham a 23 de Maio e atrapalham o deslocamento dos seus SUVs rumo à happy-hour nos Jardins.
Acuados, os políticos “de esquerda” se horrorizam com as cenas de sacos de lixo pegando fogo no meio da rua e se apressam a condenar na TV os atos de “vandalismo”, pois morrem de medo que essas fogueiras causem pavor em uma classe média cada vez mais conservadora e isso possa lhes custar preciosos votos na próxima eleição.
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Manifestação em São Paulo (Divulgação)
Enquanto isso a molecada, no seu saudável inconformismo, vai para as ruas defender – FUNDAMENTALMENTE – o seu direito de sonhar com um mundo diferente. Um mundo onde o ensino, os trens e os ônibus sejam de qualidade e gratuitos para quem deles precisa. Onde os cidadãos tenham autonomia de decidir sobre o que devem e o que não devem fumar ou beber. Onde os índios possam nos mostrar que existem outros modos de vida possíveis nesse planeta, fora da lógica do agribusiness e das safras recordes. Onde crenças e religião sejam assunto de foro íntimo, e não políticas de Estado. Onde cada um possa decidir livremente com quem prefere trepar, casar e compartilhar (ou não) a criação dos filhos. Onde o conceito de Democracia não se resuma à obrigação de digitar meia dúzia de números nas urnas eletrônicas a cada dois anos.
Sempre vai haver quem prefira como modelo de estudante exemplar aquele sujeito valoroso que trabalha na firma das 8 da manhã às 6 da tarde, pega sem reclamar o metrô lotado, encara mais quatro horas de aulas meia-boca numa sala cheia de alunos sonolentos em busca de um canudo de papel, volta para casa dos pais tarde da noite para jantar, dormir e sonhar com um cargo de gerente e um apartamento com varanda gourmet.
Não é meu caso. Não tenho nem sombra de dúvida de que prefiro esses inconformados que atrapalham o trânsito e jogam pedra na polícia. Ainda que eles nos pareçam filhinhos-de-papai, ingênuos em seus sonhos, utópicos em suas propostas, politicamente manobráveis em suas reivindicações, irresponsavelmente seduzidos pelos provocadores de sempre.
Desde a Antiguidade, esses jovens ingênuos e irresponsáveis são o sal da terra, a luz do sol que impede que a humanidade apodreça no bolor da mediocridade, na inércia do conformismo, na falta de sentido do consumismo ostentatório, nas milenares pilantragens travestidas de iluminação espiritual.
Esses moleques que tomam as ruas e dão a cara para bater incomodam porque quebram vidros, depredam ônibus e paralisam o trânsito. Mas incomodam muito mais porque nos obrigam a olhar para dentro das nossas próprias vidas e, nessa hora, descobrimos que desaprendemos a sonhar.

Fim da violência policial ilegal

Esta petição está esperando pela aprovação da Comunidade da Avaaz.
Fim da violência policial ilegal
2,000
1,798
1,798 assinaturas. Vamos chegar a 2,000

Por que isto é importante

Meu nome é Renan Fernandes, tenho 22 anos e sou estudante de direito. Hoje gostaria de falar a todos os brasileiros a partir dos seguintes relatos, fartamente compartilhados na internet e na imprensa:

“(...) entram no saguão da emergência quatro estudantes desesperados. Dois rapazes acompanhavam uma colega que passava mal por causa do gás lacrimogêneo. Um quarto manifestante procurava socorro com a boca ensaguentada. Mais alguns segundos e entraram correndo 4 ou 5 PMs atrás deles, mandando que todos saíssem, como se fossem bandidos. Como eles se recusaram e tentaram explicar que queriam atendimento, os policiais começaram a bater e arrastá-los para fora do hospital.”

“(...) já tinha saído da zona de conflito principal quando fui atingida. Tentei ajudar uma mulher perdida no meio do caos e coloquei ela dentro de um estacionamento. Não vi nenhuma manifestação violenta ao meu redor, não me manifestei de nenhuma forma contra os policiais, estava usando a identificação de jornalista e nem sequer estava gravando a cena. Vi o policial mirar em mim e atirar. Tomei um tiro na cara. O médico disse que os meus óculos possivelmente salvaram meu olho.”

"(...) Levaram o adolescente para a viatura, sem justificativa.
No momento em que me aproximei da viatura, dizendo que sou advogado, e que acompanhava o rapaz, um PM - todos estavam sem identificação, à exceção do PM Sd Jesus, que foi o único educado - me mandou, sem qualquer motivo - pois ali não havia confusão alguma -, sair dali."

Escrevo esse texto em pé, porque fui atingido por uma bala de borracha nas nádegas enquanto protegia um garoto que – em prantos em meio à fumaça e às bombas que jogavam em nós – só conseguiu me dizer que perdera o irmão no meio do conflito que nos envolveu na noite de 13 de junho de 2013. Os depoimentos acima, de pessoas que também estavam na manifestação comigo, demonstram a truculência policial com que fomos tratados. Nós estávamos gritando "Sem violência!" desde a Avenida da Consolação, quando fomos recebidos à bomba pela polícia, sem nenhuma razão ou explicação aceitável em uma sociedade democrática. A partir daí, o país assistiu às cenas horripilantes que representam uma verdadeira suspensão da ordem constitucional na cidade de São Paulo. Considerando tudo isso, é preciso exigir das autoridades o rigor na apuração desses excessos, bem como o avanço no debate sobre as estruturas de segurança pública como um todo a fim de evitar que a barbárie se repita e que se encerre como um todo, seja na Avenida Paulista, seja em qualquer outra localidade do Brasil.



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